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Inovação na Religião – Uma explicação Técnica

Nestes tempos em que estamos vivendo, onde tornou-se hábito lançar termos que muitos não tem ideia de seus significados, entender o que se fala é um requerimento. Vivemos em uma época na qual muitos muçulmanos estão emitindo juízos e declarando decisões a esquerda, direita e centro, mesmo se ainda não compreendem o funcionamento interno do assunto falado. Então, decidi escrever um pouco neste artigo técnico sobre o tema da inovação na religião.

Porém, antes de entrar no assunto, devo fazer uma afirmação factual. Procurar levantar a diferença de opiniões na maioria das questões do Islã, que se originam a partir dos dias dos companheiros do profeta (que Deus esteja satisfeito com eles) para os nossos tempos atuais, é buscar o inatingível. Portanto, o muçulmano não deve se sobrecarregar com preocupações referentes ás diferenças de opinião que tem existido desde o inicio até agora. No entanto, o que deve ser procurado, se alguém está realmente tentando entender, é aquilo que é mais pesado e mais sólido de acordo com a maioria dos estudiosos, dependendo do assunto em questão.

A palavra ‘’inovação’’ (no árabe ‘bid’a’’ – بدعة)  dentro do contexto islâmico, se refere a qualquer coisa iventada e que não seja familiar do passado. Deus todo poderoso disse no capitulo 46 versículo 9 do Alcorão Sagrado:

قُلۡ مَا كُنتُ بِدۡعً۬ا مِّنَ ٱلرُّسُلِ وَمَآ أَدۡرِى مَا يُفۡعَلُ بِى وَلَا بِكُمۡ‌ۖ إِنۡ أَتَّبِعُ إِلَّا مَا يُوحَىٰٓ إِلَىَّ وَمَآ أَنَا۟ إِلَّا نَذِيرٌ۬ مُّبِينٌ۬

”Dize-lhes (mais): Não sou um inovador entre os mensageiros, nem sei o que será de mim ou de vós”

O significado do verso acima é que o Profeta (que a paz esteja com ele) não veio com um novo credo. Ao invés, ele estava apenas confirmando a mesma mensagem entregue pelos profetas que o precederam.

Como já me deparei em meus estudos, o uso do termo‘’inovação’’ na era profética, era para qualquer coisa nova, fosse aceitável ou não. Contudo, do ponto de vista islâmico dominante, de acordo com a narração de Abi Tha’laba Al Khashni e algumas das narrações de Ibn Abbas (que Allah esteja satisfeito com ambos), o profeta (que a paz esteja sobre ele) costumava sempre mencionar em seus sermões que qualquer inovação é uma desorientação.

Pondo a definição simples de acordo com a shariah, ao que o Profeta (que a paz esteja sobre ele) se referia, era sobre tudo que fosse contra a tradição profética (sunnah)

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De uma perspectiva histórica, a primeira inovação foi a revolta armada contra os califas bem guiados, como os khawarij fizeram quando mataram Othman ibn Affan (que Allah esteja satisfito com ele), e logo mataram Imam Ali ibn Abi Taleb (que Allah esteja satisfeito com ele). Apenas uma nota lateral: não é a mesma coisa como o que está ocorrendo no Oriente Médio, porém isto é outro tópico de discussão.

A definição dada por Imam Ash’Shatibi (que Allah tenha misericórdia dele) era que inovação é:

الطريقة في الدين التي لم ترد في السنة ويراد بها المبالغة في العبادة

‘’Uma prática na religião que não veio da Tradição, com o objetivo de exagerar nos atos de culto.’’

O Imam excluiu transações mundanas implícitas em sua definição, bem como expressamente no seu texto Al I’tsam (الاعتصام), o qual você pode analisar se está a procura de mais detalhes. Deve-se salientar aqui que algo para ser declarado como uma inovação, tem que ser analisado na intenção por trás do mesmo. O Imam Ibn Taymiyyah (que Allah tenha misericórdia dele) disse sobre a inovação:

‘’Quem quer que use um manto com uma cor especial na intenção de com ele  se aproximar de Deus inovou na religião.’’

Dizer que inovação se opões a tradição do Profeta (que a paz esteja com ele), induz que seja feito um inquérito sobre o que pode ser definido como tradição. Acontece que o Imam Ash’Shwokani dividiu as ações do profeta (que a paz esteja com ele) em 7 categorias:

1- O que o profeta (que a paz esteja com ele) fez como um ato religioso, portanto, requer que seja seguido.

2- O que ele (que a paz esteja sobre ele) fez como parte de seu caráter humano regular, ações como dormir, comer, beber e similares. Isso não é considerado um ato de adoração por si mesmo, pois é como ele (que a paz esteja sobre ele) foi criado por Deus. Emular o profeta (que a paz  esteja com ele) nessas ações, seria por amor a ele e depende do ambiente no qual se vive.

3- O que oscilava entre um ato religioso e um ato característico do profeta (que a paz esteja com ele). Por exemplo, o cochilo que ele tomava sobre o lado direito do corpo após as duas raka’ats antes da oração do fajr, e se sentar após concluir as orações obrigatórias. A maioria dos estudiosos adotaram a opinião de que estes eram atos da caracterirstica do profeta (que a paz esteja sobre ele). Contudo, os estudiosos shafi’is adotaram a opinião de que estes atos eram aproximados de atos de adoração.

4- O que ele (que a paz esteja com ele) fez como parte de seus deveres, tais como liderar as orações, julgar entre as pessoas, liderar o exercito, etc…

5- O que ele (que a paz esteja com ele) fez como punição para algumas pessoas devido a transgreções da lei.

6- O que ele (que a paz esteja sobre ele) aguardava até que a revelação viesse.

7- O que a evidência indicou que foi especificado para ele (que a paz esteja com ele) e não para os outros, e esta categoria é dividia em trés pontos:

  • O que foi indicado como obrigatório para o profeta ( que paz esteja com ele), porém recomendado para o resto dos muçulmanos. Atos tais como escovar os dentes (com siwak), rezar durante o fim da noite (qiyam), e rezar a oração da manhã (Duha).
  • O que foi indicado como proibido  para o profeta (que a paz esteja com ele) e desencorajado para o resto dos muçulmanos, como o uso de roupa suja, e comer enquanto se deita sobre algo.
  • O que foi indicado como obrigatório ou permitido para o profeta (que a paz esteja com ele) e proibido para o resto dos muçulmanos, como estar casadO com mais de 4 esposas de uma só vez

Esta extensa repartição das ações do profeta (que a paz esteja com ele) pelo Imam Ash’Shawokani traz a abordagem em relação a tradição profética em perspectiva. Uma vez que seja determinado que um ato em particular é de fato destinado ao culto, e foi qualificado como uma inovação, a qualificação “inovação” é dividida em duas subcategorias:

1 – Inovação Autentica (Bid’a Haqeeqiyya – بدعة حقيقية)–esta é aquela que foi inventada sem qualquer base na religião com o proposito de complementar a religião com algo que se vê como faltando nela. Fazendo assim, o individuo vem com uma inovação que renegaria o verso do Alcorão no qual Allah diz:

ٱلۡيَوۡمَ أَكۡمَلۡتُ لَكُمۡ دِينَكُمۡ وَأَتۡمَمۡتُ عَلَيۡكُمۡ نِعۡمَتِى وَرَضِيتُ لَكُمُ ٱلۡإِسۡلَـٰمَ دِينً۬ا‌ۚ

‘’Hoje aperfeiçoei para vós vossa religião, e completei Meu favor sobre vós, e escolhi para vós o Islã como religião.’’

2 – Inovação Adicional (Bid’a Iddhafiyya – بدعة اضافية) esta é aquela na qual há uma base para o ato de adoração. Contudo, as provas gerais não foram ditadas para que este ato de adoração fosse feito desta maneira inventada ou neste especifico tempo. Por exemplo, orar orações voluntarias é algo existente na tradição profética. Contudo, orar consistentemente depois da oração do Asr quatro raka’ats de oração voluntaria, ou repetir certos tipo de invocação ou louvor a Allah em uma certa formula, seria algo inovador, pois ainda que tenha uma base que a originou, não é na formulação específica que o indivíduo está realizando o ato.

O Imam Ash’Shatibi (que Allah esteja satisfeito com ele)  e muitos dos estudiosos incluíram a inovação adicional na declaração geral do profeta (que a paz esteja com ele) de que toda inovação é um desvio. Contudo, o Imam Al Iz Ibn Abdus’Salam e o Imam Al Qarafi (que Allah tenha misericórdia deles) assim como outros sábios, não a incluíram pois foi autenticamente transmitido que o profeta (que a paz esteja com ele) aprovou ações deste tipo. Por exemplo, o companheiro ansari que começou a fazer um novo hamd (louvor) mais elaborado (ربنا ولك الحمد حمدا كثيرا طيبا مباركا الخ) após se levantar do ruku’ na oração. Alguns sábios objetaram no uso disto como prova dizendo que tal ato foi feito enquanto o profeta (que a paz esteja com ele) estava vivo, quando ele poderia aprovar tal ato, e que isso não pode ser generalizado. A resposta a esta objeção foi de que o profeta (que a paz esteja com ele) estava ensinando aos muçulmanos o principio de que fazer algo novo que tivesse uma base sólida na religião é aceitável. Então, o assunto possui diferenças de opinião. A inovação autentica é rejeitada por todos os sábios, enquanto a inovação adicional há uma diferença sobre.

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Apenas uma nota aqui: quando se trata da aprovação do profeta (que a paz esteja sobre ele), ela era de dois tipos. Ou ele aprovou algo verbalmente e elogiou a ação executada, ou ele aprovou-a em silêncio, que é um tipo diferente de tradição do profeta (que a paz esteja sobre ele) – Al Sunnah Al Iqrariya (السنة الاقرارية).

Há um ditado que se repete de forma incorreta por muitos muçulmanos hoje em dia,  o de que “a inovação é pior do que o pecado”. A inexatidão da declaração decorre do fato de que a inovação é uma das categorias sob o título geral de “pecado”. A declaração é usada incorretamente devido a um mal-entendido do que o Imam Ibn Taymiyyah (que Deus tenha misericórdia dele) quis dizer quando ele fez tal declaração, que uma inovação que leva alguém para fora do Islam é pior do que o pecado. Isso faz sentido, porque a inovação que leva a pessoa a ser declarado como um não-muçulmano é definitivamente pior do que um pecado em geral, que não leva alguém para fora do Islam.

E sobre a declaração dos antecessores piedosos de que o inovador não tem nenhum arrependimento?

Esta foi uma declaração feita por Abu Umar Ash’Shaybani e quando ele o fez, foi com base em sua experiência pessoal de inovadores que geralmente não são guiadas por Deus para se arrependerem de sua inovação. Isso é compreensível, dado o fato de que o inovador falsamente acredita que ele está fazendo algo agradável a Deus, quando na verdade ele não está. No entanto, deve-se salientar que esta afirmação não se refere a matérias em que existe uma diferença de opinião entre os estudiosos. Só porque alguns têm considerado uma questão como sendo uma inovação,  não nega a opinião daqueles que não consideraram isso. Então, deve-se ter muito cuidado para não julgar os outros.

Devo mencionar que alguns utilizam a categorização de inovação em  boa inovação ou um má inovação, enquanto outros têm adotado a categorização do Imam Al Iz Ibn Abdus’Salam da inovação em 5 tipos; obrigatória, recomenda, permissível, desencorajada, e proibida. Essas categorizações são válidas apenas a partir de um ponto de vista linguístico. Mas ninguém pode dizer que algo que tem sido considerado uma inovação autêntica tem algo de bom nele.

Uma questão final é em relação à forma como alguns muçulmanos considerarem que não é permitido se sentar e conversar com os inovadores. A primeira pergunta que precisa ser respondida é se a inovação possui divergências ou não. Se for acordado por unanimidade e que a pessoa pode ser declarada islamicamente um inovador, então aqueles que temem ser afetados pela inovação devem evitar essa pessoa. No entanto, é uma obrigação para quem é capaz de se sentar com o inovador para lembrá-los e estabelecer a prova contra eles. O próprio Alcorão é preenchido com passagens onde sentar-se com os não-crentes para estabelecer as provas e apresentar propostas em seus corações, então, como não se pode estender este tipo de tratamento a um irmão que acontece de estar cometendo um pecado? Além disso, abandonar um muçulmano é em si inadmissível se for além de 3 dias.

Este artigo foi mais focado no lado técnico e seco, porém necessário, porque a abordagem à tradição do profeta (que a paz esteja com ele) no Islam precisa ser uma abordagem inteligente. Alguns muçulmanos estão usando o termo “inovação” mais livremente do que o termo se permite na shariah, simplesmente porque eles são inconscientes do que os estudiosos têm dito sobre o termo. Ao invés de uma sequência superficial do que se ouve de outros que não têm investigado o assunto, espero que o que eu escrevi aqui traga algumas coisas a luz para aqueles que não foram expostos aos textos mais longos que tratam desse assunto. Evitei falar sobre os exemplos óbvios que vêm à mente quando o assunto da “inovação” são os destinatários, tais como a celebração do nascimento do profeta ( que a paz esteja com ele) porque isso exigiria um artigo separado – algo que eu possa escrever sobre no futuro, se Deus quiser.

É isso, e Allah sabe mais!

Texto de: Mohamed Ghilan

fonte: https://mohamedghilan.com/2011/11/08/innovation-in-religion-%E2%80%93-a-closer-look/

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